Visitei, outro dia, a Casa da Cultura Professor João Silveira e bati um papo com o amigo Zeca da Cultura, produtor cultural e presidente da quadrilha junina Rosas de Ouro. Zeca também é um dos responsáveis pela Banda Marcial José Santana, especialmente na parte do figurino, sendo, sem dúvida, um exímio figurinista de nossa terra.
Ali, no velho museu da Casa da Cultura, fui questionada por Zeca a respeito da possibilidade de escrever um livro sobre lendas itapecuruenses. Sempre achei as lendas de Itapecuru muito semelhantes às da capital, São Luís — em especial as da serpente; a do poço da Casa da Cultura, que segundo a narrativa, escravos teriam sido lançados para morrer estrepados em lanças afiadas; a da mulher vestida de branco, semelhante à lenda da Manguda, — e das histórias de pessoas que misteriosamente se transformavam em animais, bastante comuns nas cidades do interior do Maranhão. Sobre esta última, o escritor Mauro Rego já escreveu em seus livros Fantasmas do Campo, volumes I e II.
Voltei para casa e analisei a proposta. Concluí que não escreverei um livro sobre isso. Contudo, percebi que Itapecuru-Mirim possui lendas peculiares, que não precisam se apoiar em histórias de outras cidades. Descreverei aqui algumas delas.
A primeira de que me recordo é a lenda das urnas eletrônicas no açude do DER. Após uma eleição municipal bastante disputada, surgiu a narrativa de que urnas eletrônicas teriam sido lançadas no açude, contendo os votos que garantiriam a vitória ao candidato derrotado. Foi um verdadeiro alvoroço na cidade, todos querendo saber da veracidade dos fatos.
(Naquela época, não havia tantos telefones celulares e a internet ainda era privilégio de poucos.) A notícia deixou os eleitores apreensivos: tanto os vencedores, temendo um possível escândalo, quanto os derrotados, esperançosos de uma reviravolta que ficaria registrada nas páginas amareladas da história.
Nada. Nada foi encontrado no referido açude, além de lixo. Tratava-se apenas de uma história inventada para causar pânico pós-eleitoral nos eleitores da cidade.
Outra lenda itapecuruense foi a do fim do mundo, relatada em forma de conto pelo professor Leandro de Assis, no livro Crônicas Itapecuruenses. Na virada do século XX para o XXI, ou seja, de 1999 para 2000, os moradores ficaram alarmados com uma carta profética, inspirada nas profecias de Nostradamus, que dizia que o mundo iria acabar. Seriam três dias de escuridão em que ninguém poderia sair de casa para trabalhar ou comprar mantimentos; faltar-se-iam luz e água, gerando verdadeiro caos.
Diante desse cenário apocalíptico, o povo correu a comprar velas e água para serem benzidas pelo padre.
É muita marmota para uma cidade só! E cá estamos nós, vinte e cinco anos após a virada do século, sobreviventes desse fictício armagedom.
Há ainda uma lenda que parece até brincadeira e que Deus olhando do céu deve ter dito: — Eu não acredito! Conta-se que, na região conhecida como “Inferninho” — um ponto de grande movimento, próximo ao Caminho Grande, onde havia muitos açougues —, decidiram construir uma praça, que foi denominada Praça da Bíblia. Até aí, tudo bem. O curioso é que, no dia da inauguração, a Bíblia desapareceu. Simplesmente sumiu, como se tivesse sido encantada por “aquele cujo nome não deve ser mencionado”.
Mas os encantos lendários de Itapecuru não se restringem aos versos poéticos presentes no hino da padroeira da cidade. Existe mais!
Há séculos, o festejo da Santa Cruz é realizado pela tradicional família Nogueira. Trata-se, sem dúvida, da celebração mais charmosa de Itapecuru, acontecendo sempre na última semana de outubro, de quinta-feira a domingo. Todos os anos, às cinco da manhã, os moradores são despertados pelo badalar dos sinos instalados na praça e pela salva de foguetes, anunciando o início da festa.
Certa vez, em um ano atípico, o poder público decidiu reformar a praça e cercar o cruzeiro com tapumes de zinco. Era domingo, por volta do meio-dia, quando se ouviu um estrondo: misteriosamente, a cruz de concreto tombou.
Testemunhas (fiéis de uma igreja evangélica próxima) afirmaram que um vento, em forma de tornado, concentrou-se no cruzeiro e o derrubou. O curioso é que essa ventania não abateu nenhuma árvore nem arremessou telhas de casas: o foco foi apenas a Santa Cruz.
Existem ainda outras lendas, como o misterioso desaparecimento do busto do matemático Gomes de Sousa; a amputação da perna do Cristo da Santa Cruz, anos antes de sua queda (Itapecuru não é para amadores, nem nas Sagradas Escrituras os ossos do Senhor não foram quebrados, mas aqui, uma reencarnação de um centurião romano, quebrou a perna de Jesus); e a lenda do galo de madeira, que ficava no alto da Santa Cruz (antes do Cristo) e, segundo contam, um homem havia visto o galo cantar à meia-noite.
Grande parte das lendas de Itapecuru gira em torno da Santa Cruz. Por essa riqueza literária, acredito que o festejo deveria ser ainda mais valorizado.
Creio que, se o folclorista Câmara Cascudo estivesse vivo e viesse a Itapecuru-Mirim, certamente escreveria o livro de lendas que Zeca da Cultura sugeriu, catalogando essas e outras histórias bizarras que só existem nesta terra — um lugar onde, como diz o confrade Alberto Júnior, “é o poste que urina no cachorro”.
Samira Fonseca é formada em Língua Portuguesa e Mestra em Literatura pela Universidade Federal de Tocantins - UFT. Membro da Academia Vargem-Grandense de Letras e Artes.