Por ocasião de viagem ao Brasil da arquiduquesa Maria Leopoldina da Austrália, filha de Francisco I, imperador da Áustria e último imperador Romano-Germânico, seu avô determinou que dois cientistas realizassem uma expedição minuciosa ao país e registrassem com detalhes em documento a riqueza da fauna e flora deste país.
Uma missão hercúlea que carecia de enorme envergadura, recursos vultosos, muita coragem para enfrentar todos os desafios por vir em um país continental, mas que em momento algum foi contestada. Afinal, era uma ordem do rei Maximiliano I José, da Baviera, um dos mais importantes monarcas do velho mundo.
Foram destacados para compor a comitiva da futura Imperatriz do Brasil, o biólogo, médico e antropólogo Carl Friedrich Philipp von Martius; acompanhado do zoológico Johann Baptist von Spix com objetivo de coletarem espécies nativas, documentar as culturas indígenas, cabocla, colonizadora e produzirem um amplo arquivo do lugar ainda pouco conhecido naquela parte do mundo.
O ano era 1817, iniciaram sua trajetória no Rio de Janeiro percorrendo cerca de 10 mil quilômetros depois de visitar os estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco, Piauí, Maranhão, Pará e finalizaram no Amazonas.
Em 1820 entram no Maranhão vindos de Oeiras, no estado do Piauí, chegaram a Caxias depois de enfrentarem a exaustão, os perigos e doenças tropicais. Ali permaneceram durante o mês maio até seguirem rio abaixo, passando por Codó vislumbraram a vastidão e o explendor das fazendas de algodão que, segundo escritos dos dois expedicionários, "...quanto mais nos afastávamos de Caxias, mais numerosas eram as fazendas,
cujo extenso casario indicava a opulência de seus donos...".
Em meio à enchente severa do maior rio genuinamente maranhense, os viajantes descrevem o assoreamento devido a plantações às margens, grandes árvores caídas dificultando a passagem da embarcação, o contato com nativos e a altura das água 20 pés (equivalente a 7 metros) acima do nível normal.
No início de junho desembarcam em Itapecuru Mirim e deixam para a eternidade o relato fiel, com caráter técnico-científico da vila, fundada apenas dois anos antes, em 20 de outubro de 1818. As impressões deste momento estão no capítulo 3, volume 2 do livro Viagem pelo Brasil, dividido em três partes, com os registros da cruzada bávara em terras da coroa portuguesa na América do Sul. Leia a seguir:
"...A metade da viagem até à vila de Itapicuru-Mirim foi de navegação demorada e monótona; a barcaça ora topava com rochas e bancos de areia, ora ficava presa entre troncos de árvores, trazidas pela grande inundação deste ano. O velho mestre do barco afirmava que os bancos de areia do rio cresciam continuamente e ainda aumentavam com o cultivo das margens, cujo terreno revolvido estava afundando.
Esta última vila, acima citada, e que alcançamos a 10 de junho, está situada numa elevação, à margem oriental do rio, e apenas dá a perceber exteriormente o considerável comércio que se movimenta daqui para a capital e ao longo de toda a ribeira do Itapicuru. Este lugar, antigamente denominado Feira, deve a sua origem ao comércio de gado bovino, pois aqui os sertanejos negociam a venda das boiadas, vindas do Piauí e do interior do Maranhão, em troca de tudo o que precisam.
Na maioria das casas, acham-se lojas, onde estão expostas à venda grandes quantidades de chitas, artigos de ferro, porcelanas e louças de barro, vinhos, licores e gêneros de Portugal. Aqui reside o vigário-colado de extensa freguesia, que se dilata até aos limites de Caxias. Tivemos a ventura de encontrar nele um homem muito digno e instruído. Tanto o próprio território, sobretudo as distâncias entre as fazendas, como a índole dos habitantes, dificultam a tarefa e a influência do pregador do evangelho.
Como a navegação daqui em diante exige menos cautelas, partimos deste lugar à noite, com o luar. Observamos a influência da maré cheia e vazante, que aqui já é muito sensível, embora a água do mar não possa chegar tão longe, pelo rio acima. É um fenômeno extremamente interessante o fato de se produzir nos rios costeiros do Brasil, de semelhante volume de água, o movimento de fluxo e refluxo tanto mais acentuado, quanto mais perto se está do Equador.
Talvez também se deva ligar o fenômeno daquela maré singular em certos rios, cujas águas remontam em tempo muito menor do que dura a vazante, a essa circunstância. Essa curiosa maré alta, chamada no Brasil pororoca, também se verifica num rio da província do Maranhão, o Mearim; porém, mais comum e mais prodigioso é em diversos rios da província do Pará, onde tive a oportunidade de observá-la, e, no devido lugar, a descreverei pormenorizadamente..."
A obra de Spix e Martius figura entre os principais catálogos de botânica, zoologia, cultura, geografia, além de antropologia sobre o Brasil no planeta e coloca Itapecuru Mirim como parte da história.
Texto: Alberto Júnior é jornalista, professor de língua materna, escritor membro da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes - AICLA, membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC.