O BUNKER E A OCA
Theotonio Fonseca
Tangenciando o binômio tradição e modernidade, é sempre oportuno pensarmos a partir da premissa de que “o futuro é ancestral”, equalizando, na mesma frequência, artesania e metalurgia, natureza e cultura — núpcias do sal e do mercúrio no laboratório alquímico civilizacional, onde os ruídos citadinos precisam amoldar a afinação de suas cordas auriculares aos ecos de uma ecologia ancestral de saberes, que sussurra, ao pé do pélago que nos espreita, as dores de parto que ecoam em uma polifonia de gemidos da Mãe Natureza.
A ancestralidade do futuro convida-nos a visitar a sutil gramática de duas arquiteturas: o bunker e a oca — em que o primeiro personifica a modernidade líquida, reflexiva e inacabada; e a segunda, a tradição, com suas nuances mágicas, sua vida comunitária e seu firmamento que se desnuda sem o véu artificial das luzes da cidade.
O bunker é hermético em suas engrenagens de fechamento. A oca, por sua vez, é aberta ao outro, ao amanhã, posto que não possui portas para obstar o viajor que chega, nem para impedir o morador que deseja partir.
O bunker é seguro como a letra B, que, mesmo sendo um edifício de dois pavimentos, jaz fechado em seu grafismo. A oca é aberta, como a letra hebraica beit (ב), que, na singeleza de conter apenas um singelo assoalho (a base horizontal inferior da letra), uma humilde parede (o traço vertical à esquerda) e um teto discreto (a linha superior horizontal que cobre o lado direito sem fechá-lo), encerra um condão de possibilidades: a oca que nos pode abrigar também nos franqueia a liberdade de prosseguirmos a jornada.
Theotonio Fonseca é professor, escritor e advogado. Foi membro consultivo da Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil e da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA, e atualmente compõe a Comissão de Advocacia Criminal da OAB/MA.