O encarcerado foi privado de liberdade, enquanto o monge privou-se de uma forma de liberdade. Mas o encarcerado, assim como o monge, ao optar livremente pela transgressão de normas que possuem como consequência a perda temporária da liberdade, também não manifestara seu livre-arbítrio?
São formas distintas de assumir a radicalidade da afirmativa de Sartre: “Somos condenados a ser livres.” Claustros e calabouços são primos-irmãos, gestados no útero de um tempo perdido nas páginas amarelecidas da história. O monge, no entanto, é socialmente envolto pela fumaça da santidade. Já o encarcerado, ainda que inocente, possui o dorso encurvado pelo fardo da marginalização.
Quase todos querem um monge como confessor, imaginam os mistérios que se escondem além do claustro. Quase todos querem o encarcerado distante de si e dos seus.
Nas periferias existenciais, as muralhas de uma penitenciária são as zonas limítrofes que separam civilização e barbárie, e ninguém quer acolher os bárbaros, ainda que o sacerdote ecoe do ambão: “Estive preso, e vieste me visitar!”
O exercício da liberdade amplifica o voo altaneiro da autonomia da vontade. Há que se questionar se variáveis de natureza social ou econômica poderiam tornar certas pessoas mais vulneráveis ao assédio de práticas delitivas. Esse condão de sedução para o famigerado “mundo do crime” obscureceria uma via virtuosa como possibilidade, tornando a capacidade volitiva da pessoa refém de condicionantes alheios à própria vocação humana para a felicidade.
Em contraposição a esse argumento, poder-se-ia invocar a casuística de tantos exemplos de pessoas desprovidas de condições materiais dignas de existência que optaram por trilhar uma senda edificante: estudando, submetendo-se a concursos públicos, empreendendo. Por outro lado, muitos que gozaram de condições familiares e socioeconômicas privilegiadas escolheram um itinerário tortuoso.
Mesmo que admitíssemos que fatores sociais podem influenciar escolhas, precisaríamos então dicotomizar o conceito de livre-arbítrio entre bem e mal, como fez Santo Agostinho, condicionando o êxito humano à graça divina?
Acredito que a escolha pela vida monástica ou pela pena de prisão, fruto de sentença condenatória transitada em julgado, não se reduza a variáveis socioeconômicas ou teológicas. Filio-me à perspectiva sartreana: a radicalidade da liberdade implica decisão e, por ser um fenômeno essencialmente humano, estrutura-se sem a participação divina ou uma moral fundamentada em expressões metafísicas.
O monge e o encarcerado não são vítimas da exclusão social ou do fanatismo religioso, da marginalização ou da alienação; são reféns da condição de serem livres e da angústia íntima que essa condição comporta.
Grades: barras de ferro contíguas que separam, distinguem, demarcam a plenitude e a precariedade do sentido de dignidade humana; ou que elevam o enclausurado ao patamar de pureza, antessala da honra dos altares. Eis o paradoxo moral das grades: ensejar a exaltação do monge e promover a degeneração do encarcerado.
*Theotonio Fonseca é Professor, Poeta e Advogado. Foi Membro Consultivo da Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil e da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA e atualmente compõe a Comissão de Advocacia Criminal da OAB/MA.